Emboscada

Desde muito nova, não sei precisar idade talvez, talvez nuns seis ou sete anos, percebia que algo no mundo estava demasiado mal explicado. Observava-me tanto tempo, imóvel ao espelho que acabava por ficar com uma sensação estranha. como se ali estivesse um corpo apenas, uma carapaça de olhos azuis esverdeados, e ali mesmo, naquele momento, creio que foi mesmo nesses momentos em que o fazia, que tive realmente a sensação de que a alma existia, e que havia de evoluir de alguma forma. 

Esta consciência manteve-se intacta de curiosidade em desenvolver estas demoradas contemplações ao espelho. Não eram para me "embonecar", nem para cantar como muito fazia também, nem para fazer caretas como às vezes fazia antes, mas sim, para parar e ficar ali... Especada... parva com a existência. 

A minha questão nos dias de hoje é: Porque prevariquei tantas vezes? porque é que gritei e faltei aos respeito aos meus pais tantas vezes? porque é que pequei tanto? Pecar... usar esta palavra sem conotação católica, ainda que tenha pedido para ser batizada aos oito anos. "Mãe, quero-me batizar"... Houve sempre esta vontade de me aproximar do mais alto dos altos, seja ele Deus, seja isto uma enorme magia entre estrelinhas e estrelas maiores, que existam extraterrestres, fadas, magos, duendes, gigantes... Enfim... Quis e quero isso tudo ainda hoje... Saber o que está para além de nós apenas nós. E responde-me um de vocês: "Para além de nós não está nada.", "MAS COMO???" responderia eu... 

E fico assim a olhar e a pensar no tanto que poderia evoluir no meu espírito, que sei que existe, forte e teimoso, tanto que faltei ao respeito aos meus pais tantas vezes... por pura teimosia... Serei uma alma antiga? ou nova de mais para estar aqui a escrever sobre...

Estaríamos nós mais esclarecidos se soubéssemos em que ponto nos encontramos, ou ainda mais confusos? 

Sou ingénua e inocente ao escrever sobre isto desta forma?

Porque seria eu apenas este corpo? Já dei à luz um filho lindo... Um dia se o apanhar em frente ao espelho, especado como eu fiz tantas vezes que lhe direi eu nessa altura?

O que interessa talvez seja estarmos aqui por um bem maior... Porque o resto é tão pouco... O mal é tão pouco e tão baixo. Quem quer ficar baixo e pouco? estranho não é? Ser mau! Gratuitamente cruel! Que absurdo! Ninguém o é gratuitamente! Ou é?

Que emboscada!